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Maputo
_Mais uma relatada pelos amigos.
Avenida Samora Machel, meio dia. O motorista faz uma conversão à direita sem notar que a placa proibia. Logo à frente, o guarda faz sinal e manda parar. “Boa tarde. O sr. não sabe que é proibido fazer a conversão ali?” “Não, oficial, não sabia nem notei. Mas se fiz errado, é melhor o sr. me punir mesmo.” Os olhos dele quase saltaram pra fora da órbita. “O sr. quer que passe a multa?” “É. Se fiz errado, que o sr. me puna com o rigor da lei.” “Um instante só”. Ele sai da janela do motorista, volta pra calçada e confabula com o outro guarda. E volta logo depois: “A viatura está longe. Precisamos dela para lavrar a infração”, diz, com um quase-sorriso-amigo. “Eu espero, oficial. Afinal, o sr. tem que fazer o seu trabalho, não? Ou prefere que sigamos para a esquadra (a delegacia)?” “Não será preciso”. E volta pra calçada. Mais um minuto, ele tenta de novo: “Quente hoje, não? Bom para um refresco…” (nota do editor – acrescentada depois da publicação: “refresco”, aqui, além de refrigerante, é um dinheirinho. Em Angola é “gasosa”.) “Sabe…” interrompe o motorista. “Tenho pena é do nosso Samora ali do outro lado da rua (a estátua do Marechal Samora Machel, líder revolucionário, primeiro presidente do país). Depois de lutar a vida toda, sempre digno, continua ali, no sol. E sem refresco, né? Passam mais dez segundos. “Olha, a viatura está a demorar. Penso que o sr. pode ir, mas preste atenção da próxima vez.” “Obrigado, oficial. Boa tarde”. Nada como paciência, calor. E o olhar de Samora. Eduardo Castro
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_A cultura moçambicana dá muito peso ao momento da morte – como, também, várias outras culturas africanas.
Quem perde o pai ou a mãe fica vários dias sem trabalhar. Por causa da tristeza e, também, das cerimônias fúnebres, que reúnem a família, a vizinhança, os amigos. Por isso tudo, foi de certa forma surpreendente, aqui, a despedida da Mariana. Ela morreu ontem, em casa. Portuguesa, vivia em Moçambique há muito tempo. Era dona do restaurante que batizou um sanduíche com o nome do meu sobrinho. Mariana estava com câncer, mas nós não sabíamos. Falante, sempre alegre, nunca deu nenhum sinal. Quando chegou a notícia, no fim da tarde de ontem, foi uma surpresa. O marido, Jorge, despediu-se como Mariana pediu: de forma rápida, simples, discreta. Não avisou ninguém – só soube quem, de um jeito ou de outro, o ajudou desde quando ela faleceu, menos de 15 horas antes. Quando chegamos no cemitério do Lhanguene, o crematório – “Crematório Hindu”, dizia a marca na porta – estava vazio. Logo depois veio o carro da funerária, trazendo o motorista, o Jorge, e um caixão simples, de madeira prensada, pintado de cinza azulado. Três rapazes tiraram o caixão do carro e o colocaram em um carrinho de ferro, já em frente ao forno. O forno é uma construção grande, que lembra a imagem que temos de uma caixa-forte de banco, com portas pesadas que se encontram no meio. Não havia flores, cadeiras, nada. Jorge olhava, sozinho, no canto, com os olhos molhados. Algumas pessoas conhecidas chegavam, e cumprimentavam o Jorge sem dizer muita coisa. Nisso, os rapazes do cemitério começaram a colocar toras de madeira sob o caixão. Alguns pedaços de tronco também foram dispostos por cima. Ao lado, no jardim, uma fogueira já ardia. Um dos rapazes foi lá e, com uma pá comprida, pegou um pouco das brasas incandescentes. “Um familiar, por favor”, disse o homem, entregando a pá ao Jorge. Foram as únicas palavras da cerimônia. Jorge pegou a pá e colocou sob o caixão, como indicado pelo funcionário. Logo, outra pá de brasas foi depositada no outro lado do caixão, e uma fumaça esbranquiçada começou a subir. Em três, quatro minutos, o caixão começou a arder. Então, os funcionários empurraram o carrinho para dentro do forno. Enquanto a porta fechava, as labaredas envolviam o caixão em uma luz alaranjada. Não houve prece, reza, discursos, despedidas. Só o silêncio. Em dez minutos, em meio à dez pessoas se tanto, saí do crematório lembrando das gargalhadas na Mariana, do sanduíche da Mariana, do pouco que convivi com ela. Da morte, nada. O que ficou, foi da vida. Eduardo Castro _[ Uma História de Fernando Cruz - Lourenço Marques ]
“Era o ano de 1974 logo após os eventos do 7 de setembro (NE: data em que, em 1974, foi assinado o Acordo de Lusaka, que deu a independência à Moçambique. Mas a troca de poder efetivou-se somente em 25 de junho de 1975). Havia nessa altura um tanque de amónia líquida a 100 metros do muro oeste da fábrica de cimento. Se forem ao GoogleEarth ainda podem ver os vestígios de uma plataforma circular onde se encontrava o tanque, junto aos restos de um edifício, que era onde as bombas de compressão estavam instaladas. Mais tarde este tanque, o maior dos 3, foi deslocado para o actual poiso, a 800 metros a oeste (+ ou -) do local original. Também dá para ver na GoogleEarth. Bom, o tanque continha amónia líquida, mas quando havia muito calor e o tanque estava pouco cheio, as bombas não davam conta do recado, a pressão dentro do tanque subia demasiado, e nessas alturas era preciso soltar amónia em vapor pela válvula de segurança (segurança para o tanque) no topo do tanque. Ora se o vento soprasse de sul, essa amónia espalhava-se pelos bairros da Matola. Toda a gente cheirava a amónia. Os olhos das pessoas até ardiam um pouco, mas como com a amónia desapareciam os mosquitos, ninguém se queixava. Até dava jeito. E assim viviamos em equilíbrio um tanto instável. Deram-se os acontecimentos do 7 de Setembro. Aquela zona toda nas proximidades do Rádio Clube de Moçambique estava em pé de guerra e bloqueada por militares. Ninguém conseguia sair de casa, muito menos ir à Matola, e muito menos meter pela estrada que servia o tanque para inspecionar a instalação. Durante uns dias eu transpirei como nunca me lembro ter transpirado, e acho que até esgotei a lista dos deuses a quem rezei. Só me corria pela cabeça falta de electricidade, paragem das bombas compressoras, aumento desmedido da pressão da amónia no tanque, válvula de segurança a disparar, e amónia em vapor a sair, levada pelo vento, em quantidades suficientes para matar muita gente na Matola. Ninguém sabia de nada. As estradas estavam bloqueadas. Eu só imaginava pior. Até que, passados esses poucos mas intermináveis dias, consegui, com um colega, meter-me no jipe e ir tentar averiguar o que se passava com o tanque. À entrada da estrada de acesso encontrei-me com um soldado da Frelimo que montava guarda àquela zona e não nos deixava passar. Finalmente o convenci que o caso poderia ser grave e ele precisava de ajudar. Foi então connosco no jipe, não fossemos nós tentar sabotar aquela coisa. Estava tudo calmo e sereno. Não tinha havido fugas de amónia. Ninguém tinha morrido por causa da amónia. E lá estava o nosso empregado shangana que pouco disse. Quando lhe perguntámos se tinha havido fugas de amónia, só nos disse – aiiinda! Tudo tinha voltado ao normal, não sei como nem por quem. Mas tenho grandes suspeitas do nosso empregado shangana. Dos mosquitos sobreviventes nada soube”. Eduardo Castro _Parado no sinal fechado, voltando do almoço, vi a loirinha abrir a janela do Jeepão 4×4 e fazer um gesto pra menino que estava ali, no cruzamento das avenidas Mao Tse Tung (ele mesmo) e Julius Nyerere (ex-presidente da Tanzânia), zona nobre de Maputo. O garoto veio, correndo entre os carros. A moça deu a ele dois saquinhos – um azul e outro rosa. Eram de algodão doce. Os olhos do menino ficaram bem arregalados, e muitos foram os sorrisos e agradecimentos.
Abriu o sinal, o trânsito andou, o Jeepão foi embora, e eu, sem vaga pra parar o carro, acabei por ter que dar outra volta no quarteirão, parando quase no mesmo sinal fechado, uns dois minutos depois da cena inicial. Tempo suficiente para ver o mesmo menino, os mesmos saquinhos. Só que agora, ele já estava tentando vendê-los. Decepcionado com tanta “ganância”? Não fique. Sorriso e algodão doce podem até preencher o coração do menino de amor, mas não mata a fome dele. O que mata a fome dele é xima: água e farinha de milho, base da alimentação de milhões e milhões de africanos. “Quebra um pouco o encanto”, mas pobreza não tem encanto. Olhos azuis cercados por cabelos amarelos, quando encontram olhos pretinhos num rosto tristonho, costumam brilhar de compaixão e piscar intensamente, cheios de doçura – mas não enchem barriga. Pra alguns também “quebra o encanto” saber que aquele agasalho velho que foi doado para “os pobres da África” não é entregue a um “pobre da África”. É destinado a instituições (em alguns países é mesmo o governo que faz isso) que – segure seu queixo, loirinha – vendem essas roupas, aos fardos, para revendedores locais. Há verdadeiros mercados só com as roupas doadas. Aqui em Moçambique chamam a isso de “Calamidades”. “Comprei nas Calamidades”, é a frase. Camisas, calças, cintos, vestidos, agasalhos, sapatos, cobertores, tecidos, chapéus, toalhas, sacos de dormir, barracas de lona, fogareiros. Tem de tudo nas Calamidades. Sim, loirinha: eles vendem aquele vestidinho que você doou “com tanto carinho”. E isso é ótimo. Gera emprego e renda pro vendedor, distribuidor, revendedor, costureira que conserta o que não vem bom, motorista do caminhão. Alguém usa a roupa, mas alguém também ganha dinheiro – e compra farinha pra fazer xima. “Mas estão lucrando em cima de mim! Da doação que fiz com tanto carinho!” Bom, chegamos ao ponto da indignação, então: é que eles ganham, e não você – que doou “com tanto carinho”. Entrevistei Dom Paulo Evaristo Arns, uma vez, nas vésperas de um Natal. No clima, pediu para as pessoas não restringirem a caridade ao fim do ano, e, também, a “doarem de verdade”. “Mas o que é doar de verdade, Dom Paulo?” “Doar de verdade é tirar de si – do que lhe fará falta – para dar a quem precisa. A doação de que fala a Bíblia é aquela em que você arranca de si próprio para que o próximo receba, mesmo que você fique sem.” Quantos ficarão decepcionados na porta do Céu! Vão bater e voltar, mesmo tendo doado milhões de dólares para a caridade. Ao longo da vida, “deram de coração”, “deram com carinho” – mas só o excedente. Deram porque não fazia falta. Ajudaram ao próximo? Sim. Mas, pelas palavras de Dom Paulo, passando longe da tal “doação de verdade”. Nesta semana, a ONU “alertou para a fome” na Somália. Está hoje nos jornais que “se ninguém fizer nada, 800 mil pessoas morrerão de fome no Chifre da África”. E tem um monte de matéria, repórteres vindo, programas já sendo montados. Sacos de arroz serão enviados em aviões militares. Princesas e atrizes virão beijar os pobrezinhos, e chorar diante de tanta miséria. Talvez algum grupo de artistas de renome monte um show, ou – quem sabe – grave uma música! Cachês serão doados e todos os lucros – excetuadas as despesas, claro – serão doadas para combater a fome na África. Que tal? “We are the World”, de 1985, foi exatamente isso. O “sobrenome” do projeto era “USA for Africa”, e surgiu quando de um onda de fome bíblica na Etiópia – vizinho de parede da… Somália. Poucos tinham pensado nisso tudo semana passada, antes do “alerta” da ONU. Mas a fome – oh! – já estava lá. E aqui. E ali. A cada seis habitantes da Terra, um passa fome, a maioria dos famintos é de africanos (e asiáticos também). Metade do continente está abaixo da linha da pobreza. A proporção é essa já faz um tempo. “Se ninguém fizer nada” ficará pior. Mas, pra ficar claro: que façam. Que venham as princesas, que mandem o arroz, que cantem as canções. Afinal, é de coração. E vai ajudar de alguma forma: é um pouco mais de dinheiro, é um pouco mais de arroz, é um pouco mais de atenção. Um pouco mais de algodão doce. Imagino que a loirinha do Jeepão deva ter seguido o seu caminho sentindo-se recompensada pelo sorriso do menino, pensando que “se todos no mundo olhassem um pouquinho mais para esse pobres da África, o mundo seria melhor.” Seria, mas não basta “olhar um pouquinho”. É preciso olhar muito, pensar muito, tirar do seu pra ele ter (daí sim) um pouquinho. Mais do que saquinho colorido, eles precisam de impulso, comércio justo, que não se estimule a corrupção, investimento cavalar em educação e saúde. Em uma palavra: oportunidade. A África fica feliz com sorriso e algodão doce. Mas consegue viver sem eles. Não vive é sem farinha pra fazer xima. A mudança virá, mesmo, no dia em que puder pelo menos sonhar em comprá-la sozinho. Eduardo Castro _Antes de começar, esclareço que não vou fazer uma ode ao passado – até porque não conheci Moçambique “no passado”. Só vejo bem de perto os problemas, mazelas, desigualdades, injustiças, pobreza, etc, etc, etc, de hoje. Muitos, obra dos atual e passados governos, opções políticas e econômicas locais e globais, etc, etc, etc.
Mas muitos – muitos – diretamente deixados pelo colonialismo. “Lourenço Marques (nome que Maputo tinha antes da independência) era linda”. “Pérola do Índico”. “Uma das poucas cidades do mundo com rede elétrica inteiramente subterrânea”. “Pujante, mas bem organizada”. “Limpíssima”. Pode tudo ser verdade. Mas, neste cenário, viveu-se uma história – que tem efeitos sobre ele. Se quem mantinha a cidade assim no tempo da colônia tivesse pensando no futuro dela (e não só no seu), a Maputo de hoje poderia estar, ao menos, bem mais perto disso. Aqui, em 1975, quando houve a independência, 96% da população moçambicana era analfabeta. De maneira geral, escola era pra colono. Os poucos que conseguiram ir além disso (Mondlane, Samora, Chissano – só pra ficar nos mais famosos) trataram de lutar pra se livrar de quem os oprimia. Quem não faria igual? As populações das colônias foram marginalizadas, exploradas, torturadas, aviltadas pelos colonizadores. E teve guerra – que só deixa perdedores sempre. Teve guerra e teimosia: no caso moçambicano, os colonizadores teimaram em não sair até o fim, impossibilitando que o país se preparasse para tomar conta de si próprio. Até mesmo depois de anunciado o acordo pela independência, fechado em Lusaka, houve o episódio da tomada da Rádio Moçambique pelos portugueses inconformados. Muita gente morreu, e a resistência gerou resistência: o novo governo, socialista, endureceu as circunstâncias para os portugueses que queriam ficar. Foi instituída a famosa lei “20/24″ – quem quis ir, só pôde levar 20 quilos de pertences, e deixar o país em 24 horas. Ponha racismo – de lado a lado – por cima de tudo. Logo depois, veio a nacionalização. Logo depois, veio a guerra civil. Logo depois, veio a abertura para economia de mercado. Logo depois, veio hoje. É assim, rápido mesmo. E hoje… bem, hoje quem conta é o jornal A Verdade, texto aí debaixo – que justifica o título do post. Reportagem publicada nesta quinta-feira, 28 de julho de 2011. 36 anos a Degradar Moçambique assinalou no passado dia 24 de Julho a passagem dos 36 anos das nacionalizações. Esta medida foi tomada pelo primeiro Governo pós-independência chefiado pelo então Presidente Samora Moisés Machel e tinha como objectivo conceder ao povo moçambicano o direito ao acesso à educação, justiça, saúde e habitação. Contando com os preparativos – que não foram poucos – a África já é parte da nossa vida há mais de dois anos.
Aqui em Moçambique, lá se vai mais de ano e meio. Vir não foi uma decisão simples. Mas voltar também não foi. Aqui criamos novos hábitos, aprendemos coisas novas, visitamos lugares lindos, recolhemos muito conhecimento (além de uns livrinhos, roupas muito bonitas e muitos enfeites para casa…). Mas, principalmente, fizemos amigos. Gente que nos acolheu sem sequer nos conhecer, que nos ajudou a estabelecer uma rotina, nos acarinhou, muito nos ensinou pelo simples prazer de nos ter por perto. E também muita gente que nunca vi, outros que nem sequer falei, mas que lêem o que escrevo no ElefanteNews, no Facebook e no Twitter, comentam de volta, e que só conheço por escrito. Em alguns casos foi um reencontro, depois de muitos anos – real e virtual. Nova prova de que tempo e distância não atrapalham as verdadeiras amizades. E minha vida de andarilho já me mostrou mais de uma vez que são elas que ficam. Não sei como agradecer, porque realmente não há como. Não há o que retribua a generosidade da companhia, o prazer da convivência, a alegria do compartilhar. Tentarei assim: muito obrigado, sinceramente. Vida que segue, diria João Saldanha. Em breve, a TV Brasil/EBC (o que me trouxe, inicialmente) vai mandar novo correspondente para a África, que também ficará baseado em Maputo. O ElefanteNews (eduacatro.wordpress.com) surgiu de nossa vinda para cá, mas – caminante que é – vai continuar a abrir suas sendas por aí. Ele sai de férias comigo, mas deve voltar, de barba feita e banho tomado, assim que nos reestabelecermos em algum lugar. “Em algum lugar” porque não sabemos exatamente onde será. Estamos retornando ao Brasil por razões familiares e, por isso, devemos ficar perto de onde está a maior parte da família – São Paulo. Mas é duro voltar para uma cidade deste tamanho depois de 12 anos fora. Assim, estamos vendo com calma. Não é todo canto que aceita um elefante… O mesmo vale para o futuro profissional. Não sei onde, mas certamente será “trombando com as notícias, sempre contra a manada”. Ate breve. Eduardo Castro Durante o apartheid, Moçambique foi destino para muitos exilados sul-africanos. Entre tantos integrantes do CNA (Congresso Nacional Africano), o ex-presidente Thabo Mbeki – primeiro sucessor de Nelson Mandela – e o atual presidente, Jacob Zuma, viveram aqui.
Recentemente foi lançada, até, a pedra fundamental de um memorial que vai lembrar o episódio que ficou conhecido como “raid na Matola”, que matou 14 sul-africanos exilados que viviam na cidade vizinha à Maputo. Uma ação parecida com o que os Estados Unidos fizeram há poucos meses no Paquistão, para matar Osama Bin Laden. Em 31 de Janeiro de 1981, uma força especial do exército da África do Sul, então governado pelos racistas do Partido Nacionalista, invadiu o território moçambicano e atacou três casas na cidade da Matola, onde viviam os exilados. Eram todos combatentes do CNA, que lutavam pelo fim do apartheid e eram considerados terroristas pelo regime racista. Não foi a única ação do tipo. Ataques aéreos também aconteceram. Por isso, a segurança nas casas dos exilados do CNA era reforçadíssima. Mas nem sempre os vizinhos sabiam. Um amigo, Orlando, quase morreu ao roubar frutas do vizinho – que vinha a ser Oliver Tambo, presidente do CNA no exílio, uma das maiores referências da vida de Nelson Mandela (a outra era Walter Sisulu) e, hoje, nome do aeroporto de Joanesburgo. Na época um garoto de menos de dez anos, ele subiu na árvore no fundo de casa para roubar algumas frutas. Um dos galhos fez um estalo alto, e, em segundos, quatro ou cinco seguranças armados até os dentes (como diria o Homem Chavão) surgiram no jardim, prontos para atirar. O susto foi imenso. Rindo (hoje, claro), Orlando faz troça, dizendo que, naquela idade, “jamais tinha imaginado que alguém pudesse ficar tão bravo por causa de umas frutinhas…” Na mesa do almoço, ao lado de Orlando, Luis lembrou da vez que, na República Democrática do Congo (onde mora até hoje), ele quase foi soterrado pelos seguranças do presidente Joseph Kabila. Kabila herdou o poder depois que o pai foi assassinado, em 2001 – e foi eleito em 2006. Luis trabalha com construção civil e foi chamado para ver um jogo de futebol na tribuna de honra de um estádio em Lubumbashi, no norte do país, do qual ele trabalhou na reforma. Bola rolando, sai um gol do time da casa. A torcida grita e ouve-se um barulho – fogos, talvez – ali perto. Os seguranças não tiveram dúvida: pularam todos em cima de Kabila, para protegê-lo. Quem estava no meio, foi pro chão também. “E você não tirou foto?”, perguntou o Orlando, rindo. “Eu não!”, disse o Luis. “Vai que os seguranças não gostassem do barulho…” PS: caso você seja daqui ou venha e queira conhecer o novo memorial da “raid da Matola” (que deve ficar pronto no fim do ano), aproveite para almoçar no Coisa Nossa, ali na mesma praça, na Matola mesmo. Diga ao Jorge, o proprietário, que é meu amigo. E vai ter de pagar a conta do mesmo jeito. Eduardo Castro |